Eu começo, sem saber bem aonde quero chegar. Eu jogo a pedra e onde ela cair eu me darei por satisfeita. Já não posso mais me contentar com tentativas, frustradas, de descobrir o futuro, adivinhar o obscuro. Enquanto observo, no meu canto, atitudes estranhas, eu percebo que talvez o bizarro seja eu. Enquanto julgam minha aparente covardia, param e percebem onde está o covarde da história. Por medo de se aproximar, as pessoas avaliam costumes, para mim normais, para eles, muitas vezes, inequívocos. Como se o toque, algo que me faz tão bem, de alguma forma fosse te despir totalmente, e mostrar ao mundo o que você guardava só para si. Como se um contato, por menor que seja, fosse te deixar seqüelas para a vida inteira. Escutar um não de alguém que não conhece é algo que se torna comum com o amadurecimento. Diria eu, que é algo inevitável. O convívio é imprescindível, e se é assim, porque não quando arriscar quando tem vontade? Por que não ir um pouco mais além do que a coragem determina? Por que não deixar que seus ouvidos se tapem, e dessa vez por algo nobre? O tentar e não conseguir deixa marcas muito menos profundas do que as que o temor de se entregar. Se entregar a um convite de quem te chama para tomar sorvete, ou de um amigo que quer conversar, de alguém que tenta se aproximar porque te achou interessante, de uma pessoa que quer te pedir perdão. Talvez a maneira como o compasso do mundo gira atualmente tenha um pouco a ver com a ansiedade que percebo, daqui da minha varanda, nos olhos das pessoas. E a lua que hoje parece estar mais bela, não ocupa a direção de nenhum desses olhares. Eu não percebo, daqui de onde estou, nenhum leve sinal de apresso pela natureza, ou nenhuma preocupação com as coisas simples da vida. Talvez por isso eu me sinta a estranha. Por perceber que fui a única que gastou ontem uns vinte minutos do meu dia observando as formigas. Que na hora da novela fui pra rede observar estrelas caindo. Eu que no momento procuro não me preocupar com as broncas de amanhã, ou com as gordurinhas que todos apontam em mim. Esse horário, de parar e prestar atenção em minha respiração, de perceber que, finalmente, ela se acalma nessa semana. Não percebo só as coisas bonitas que tem ao meu redor, essa seria uma tarefa difícil, teria que educar meu olhar para pequenas coisas, mínimos detalhes. Aqueles que antigamente nem eram percebíveis para mim. Agora eles se deparam e se diferem dentro da minha cabeça. Se diferem de uma outra parte do mundo que nunca precisei fazer esforço para perceber. Dela eu não preciso falar, todos conhecem muito bem, nos acompanha já há algum tempo. E apesar da tentativa, mais uma vez frustrada, os sentidos não conseguem ignorar o lado ruim desse mundo doente. Bombardeado de notícias ruins. De guerras desnecessárias. De caracteres duvidosos. Coisas que, apesar de não parecer, todos conhecem bem. Mas prefiro não estragar meu refúgio. Meu momento íntimo, de pura reflexão. Onde tudo o que importa é fazer com que eu tenha um momento de paz dentro de mim. Um momento de percepção, de observação, de silêncio. Onde eu me torno mãe e filha. Eu me aconselho. Eu e minhas idéias dialogando. É aqui que deixo saírem todos os meus medos, que procuro enfrentá-los, entende-los. Onde eu tento me achar, me inventar, me descobrir, redescobrir. Afinal é tão bom poder mudar de idéia. Perceber que o atalho era errado. Enxergar que os valores não eram corretos. É tão bom ter opinião pra mudar, uma opinião formada, pensada repensada, livre de qualquer preconceito. Procuro recordar coisas boas, enquanto percebo o céu se abrindo. Eu refaço as coisas belas do meu dia, mentalmente revivo cada bom momento. Cada longa conversa, as risadas exageradas, o dialogo em hora errada. Saio daqui mais experiente, mais madura. Eu vejo que complicamos coisas simples, talvez por medo da felicidade que elas nos trarão. E agora vocês perguntam, quem teria medo da felicidade? E eu só posso afirmar que o receio não é quanto a presença dela, mas sim quanto a falta que sentiremos se um dia ela precisar partir.