Saudade do tempo em que eu comia trakinas sentada no tapete velho da sala, sem reclamar da vida.
Saudade do barulho da chuva, na janela do quarto, enquanto eu dormia na cama com o papai e com a mamãe.
Saudade de ouvir estórias engraçadas e desenhar com giz de cera na parede.
Saudade de derrubar varais cheios de roupa e depois ficar de castigo de joelhos, fazendo graça com as gurias.
Saudade de fazer careta, catar milho no teclado, treinar beijo na mão, ensaiar balé no espelho.
Tenho saudade do barulho que eu fazia enquanto mastigava o pirulito antes que o professor entrasse na sala de aula.
Saudade das inúmeras vezes que derramei sabão no quintal da vovó para brincar de escorrega barriga com meus primos. Para falar a verdade, eu tenho saudade dos meus primos, tenho saudade de mim. Antes, éramos uma espécie de ser dividido em vários corpos.
Tenho saudade do meu pai junto com minha mãe, da viagem que fizemos logo que eles se separaram.
Tenho saudade da minha família, que, por algum motivo, se espalhou pelo Brasil afora.
Tenho saudade de alguns ex-namorados, mas só alguns. Desses, ainda guardo um carinho especial e uma imensa saudade das horas que passávamos fazendo o que só nós fazíamos.
Eu tenho saudade do pôr do sol na praia, das ondas fortes do mar, da areia que gruda no pé. E, eu sei, que quando eu for embora de Brasília, vou sentir saudade dela também.
Tenho saudade da minha professora do pré, da minha boneca que sempre quebrava a cabeça no balanço. Tenho saudade dos tempos de ensino médio, das paqueras de menina boba. Tenho saudade da faculdade, mas só de alguns momentos.
Tenho saudade de cada lugar para onde fui nas férias, de cada pessoa boa que conheci. Tenho tanta saudade que nem cabe mais em mim. Ela se transforma em liquido fresco que escorre pelo meu rosto e transforma minhas lembranças em sorrisos. Aí, eu volto no tempo, me entrego ao momento e vivo, por alguns instantes, de pura saudade. E, se um dia eu não sentisse saudade, certamente, morreria desse mal.