quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Um simples beijo na mão

20h40 e o ônibus não passa. A temperatura, meus ossos avisam que é menos de 15°. Minha paciência está no limite, meus pés já cansaram de desenhar círculos no chão de terra. 20h45 e nem sinal de transporte. Observo o estilo da menina, que bem a minha frente tira um cigarro da bolsa enquanto finalmente para quieta junto à parada. O tempo parece não passar e meu corpo reclama do frio. Já perdi as contas de quantas vezes me sentei e levantei tentando arranjar uma distração. Decidi comprar um MP3, JÁ. E enquanto eu tento tirar da cabeça a besteira que fiz no final de semana vejo uma mão se estender me entregando um papel. O menino, sem nem ao menos olhar para meu rosto, se estiva para alcançar outras pessoas. Ao mesmo tempo em que eu leio atenta cada palavra de seu papel rabiscado, ele recolhe rapidamente os bilhetinhos entregues. A mensagem era clara: “Sou surdo. E tento viver dignamente. Não tenho estudos, o que dificulta mais ainda a procura por emprego. Peço a ajuda de vocês, com 50 centavos ou 1 real. Obrigada!” Em LIBRAS, pergunto se ele me entende. Sua feição muda. E um sorriso tão doce tira o lugar da tristeza estampada em seu rosto. Com uma satisfação evidente ele me conta que consegue sim entender o que digo e logo pergunta se também sou surda. Sem saber direito quais sinais usar, eu tento lhe explicar que aprendi na faculdade. Pergunto se tem família e tirando sua identidade do bolso de sua bermuda rasgada ele me mostra que veio do Maranhão. Lá, deixou toda sua família. Ele me explica que hoje dorme no chão, perto de lugares que o deixem mais quentinho. Esse tempo dificulta ainda mais sua permanência na rua. A conversa rende o possível. Me esforço para responder todas as suas perguntas e ele pacientemente me vê tentar relembrar os sinais que aprendi na aula. Quando entrego minha contribuição ele olha com espanto para as moedas e, com um dos sorrisos mais gratificantes que eu já vi, pega minha mão, encosta em seu peito e me diz claramente que Deus cuidará de mim. Seus olhos me falavam tudo e nem precisei olhar suas mãos apontarem com firmeza para cima. Ao se despedir ele tira minha mão da sua, mas antes ele se abaixa para beijá-la. E isso valeu meu dia. Me fez esquecer as broncas do trabalho e da raiva das pessoas que tentam achar um motivo em qualquer coisa para brigar. Eu esqueço do dinheiro que ta acabando e da calça cara que eu queria comprar no final do mês. Eu me culpo por não conseguir sorrir só porque alguém me chamou de gorda, enquanto ele me deu o melhor sorriso do dia por umas simples moedas e um pouco de atenção. Eu só tenho que pedir perdão por todas as vezes que menosprezei o que tenho e pedir a Deus que um dia eu possa ter mais para dar do que simples moedas. Eu acredito que um dia as pessoas vão parar pra perceber que o que importa não são quantas obras serão inauguradas, ou qual o uniforme da seleção na copa. O Brasil pede muito mais que isso. E enquanto quem tem fingir que não está acontecendo nada, tudo vai continuar assim. As pessoas continuarão vivendo na rua, se contentando em não estudar e se alimentando com os trocados que uns ou outros lhes dão. Não custa nada gastar um minuto pra dizer de qualquer maneira que seja que Basta. Não queremos mais obras. Basta não quero mais saber de jogadores que são vendidos por bilhões. Nem quero ver as novas atrizes convidadas para aparecer de gostosa na televisão. Basta de egoísmo e basta de acomodação. Eu sei que ‘se a gente quiser o mundo se ajeita’. E eu quero tanto um mundo melhor. Você não?

Um comentário:

  1. Nossa... que fantástico foi seu dia...
    Eu tenho várias historias pra contar como essas e eu sei mto bem como a gnt se sente qndo pode ajudar alguem, de alguma forma...
    Só de ler o que vc escreveu eu tambem me senti bem.
    mto legal,mari!
    beijao ;)

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