sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Momentos em que eu sou eu

Eu, às vezes, erro. Em outras, dou uma dentro. O ser humano é assim: vive de erros e acertos. Tropeços e momentos que mais se assemelham com grandes vôos. E são esses momentos – que parecem tirar meu pé do chão – que me levam além. Além de mim, do que acho que sinto, do que penso que sou. Como se minha cabeça, por alguns instantes, pensasse como cabeça de poeta, que se deslumbra com a gota do orvalho e declara amor às formas do vento. Ainda não descobri o que me leva a pensar assim. Talvez seja o poder que eu, sem perceber, encarrego ao mundo, sobre a minha própria vida. Como se eu vivesse para os outros e não para mim. São nos momentos em que enxergo algo além do que vejo no espelho que consigo explicar meus 1 metro e 60 de altura. É quando não reparo em meus lábios, que vejo o quanto minha boca revela o que aprendo, o que penso, o que não me deixa satisfeita. E eu bem que queria viver de momentos assim. No entanto, sinto não ser possível. É cansativo demais lutar contra um mundo e mais desgastante ainda lutar com quem você acha que é.

Amanheci

Era dia. O sol forte me impedia de enxergar o horizonte. Mantive meus olhos para baixo, observando a ponta dos sapatos empoeirados. Quem passava por mim não conseguia perceber meu rosto, minha agonia por aquela repentina cegueira. Quem me cumprimentava não entendia porque nunca o olhava nos olhos. Passei anos assim: sem coragem de levantar a cabeça, com medo de ir adiante e, sem querer, dar de cara com um tronco. Nunca me toquei de quantas pessoas eu perdi pelo caminho, em quantas vidas eu não pude me inspirar. Em todo esse tempo, não tive noção de que, aos poucos, parte de mim ia embora. Não passei nada adiante, não experimentei nada novo. Nos esbarrões que dei pelo caminho, ouvi apenas palavrões, frases torpes.
Resolvi levantar a cabeça, olhar para frente e enfrentar a luz que vem em minha direção. Quando preciso, fecho os olhos por alguns instantes, mas sem perder o foco. Hoje, eu falo e escuto, doou e recebo algo que não fazia idéia que existia. Em cada relação que estabeleço, encontro pedaços de mim que ainda não conhecia.

Minha avó

Existem flashes na vida que nos tiram de órbita. Não sei por que! Ainda não consegui desvendar o mistério para tamanha confusão. Sei que talvez essa não seja a melhor maneira de começar um texto, sendo assim, totalmente, dramática. Mas não vi outra maneira para definir o que se passa em minha cabeça agora!

Pego ônibus todos os dias, em várias situações diferentes. E – se você é brasiliense vai concordar comigo – essa atividade tem sido demasiadamente estressante ultimamente. Os carros não passam, quando passam são entupidos. Sem contar nas vezes que, gentilmente, eles decidem quebrar. Enfim, essas longas horas, - desculpe a cacofonia - parada na parada, são as piores horas do meu dia. Não é o fato de pegar ônibus que me estressa, mas sim o fato de ter que esperá-lo durante mais de sessenta minutos. Mas, dessa vez foi diferente!
Esses minutos, que antes pareciam inacabáveis, passaram voando... Tudo graças a uma senhora simpática que resolveu parar bem do meu lado. Seu sotaque engraçado, sua postura curvada e os cabelos presos cuidadosamente com grampos coloridos me chamaram a atenção. A voz era chorosa, as queixas vinham com facilidade.
- Eu não vou entrar nesse ônibus cheio. Não vou mesmo! – disse ela, assistindo o ônibus partir.
- Tem nem lugar para sentar, minha filha –

Agora, aquele olhar com uma tristeza doce se dirigia a mim e, não sei por que, me deixava desconcertada. Eu me senti como filha ou neta – não sei ao certo – que passara anos longe dos abraços dela. Eu nunca a vi antes, por isso não sei explicar de onde tirei tal sentimento. Minhas mãos frias e pernas bambas não escondiam minha vontade de escutar minuciosamente o que aquela senhora queria me falar.

A conversa tomou outro rumo. O transporte, por alguns instantes, não era mais o foco do nosso diálogo. Ela me falou do problema no dedo, que tinha cortado há semanas e que ainda não havia cicatrizado; do peso das sacolas; da vontade de estar em casa. Quase chorando, com a voz alterada – me lembrava uma criança -, ela me contou sobre o câncer e como não conseguia dormir. Foi aí que os meus olhos não conseguiram controlar as ordens que vinham de dentro. Eu chorei!

A senhora voltava de uma consulta no Hospital de Base, onde descobrira que o tumor que tinha no seio direito tinha voltado. Ela não parecia assustada com isso. O que a incomodava era o fato de ter que decidir se tiraria ou não a mama. Como uma neta mais velha, que se preocupa com a saúde da avó, a perguntei há quanto tempo ela não se consultava e a aconselhei a deixar de lado a vaidade, só por algum tempo. Ela respondeu:

- É mesmo né, minha filha? Já era para eu ter tirado isso...

Ela escutava minhas palavras com atenção, dando importância a cada adjetivo mal empregado. E eu me esforçava para que tudo aquilo que eu dizia fizesse algum sentido e a comovesse de alguma forma.

O ônibus chegou! Nunca havia passado tão rápido. Eu me despedi com pesar, uma saudade que parecia tomar conta de mim e que me dizia que tão cedo não iria embora. Ainda rezo para que de alguma forma eu tenha a marcado como ela me marcou, para que qualquer dia, quando eu a reencontrar nas paradas da vida, ela me cumprimente com um sorriso simpático e um oi arrastado. O nome dela? Não sei. Achei que seria feio uma neta perguntar o nome da avó.