quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Desabafo

Talvez eu nunca tenha conseguido fingir bem. Minhas caras feias, meu mau humor acentuado, minhas broncas em voz alta. Tudo escondendo uma voz que se segurava para não gritar o quanto eu preciso de você. Desde pequena foi você o meu super herói, e ver que essa imagem vai se apagando com o tempo me faz perder noites de sono. Eu sinto mágoa sim, nunca precisei encontrar desculpas para esconder isso. Porque na verdade tudo o que eu queria era que você parasse e de repente percebesse que o senhor é o único pai que eu posso ter, não existe mais jeito. Isso foi traçado há vinte e poucos anos, quando minha mãe rabiscava a tabelinha do médico. Perceber que toda a importância que te dou, toda minha expectativa quanto a você, meu orgulho, minha esperança, perceber que tudo isso é em vão é perceber que talvez eu tivesse que me acostumar com o fato de não ter mais pai. Mesmo rezando todas as horas pra eu voltar a ter um. Eu só queria tomar sorvete e caminhar no shopping, queria ouvir o balanço do dinheiro gasto no final do dia. Eu queria poder sempre escutar músicas antigas, vendo você defender meu novo corte de cabelo. Eu queria seus sermões desajeitados, suas lições de morais que não aplicam a você. Eu queria sua galinha caipira e as folhas que trazia do trabalho. Por um momento eu queria voltar a ser criança, já que é só assim que me lembro de seus abraços apertados e dos passos longos que dávamos juntos. Eu queria uma família completa, com pai, mãe e eu. Mesmo dizendo pra todo mundo que isso pouco importa. Eu queria presentes de natal, por mais baratos que fossem. Eu queria um abraço de aniversário, ou quem sabe uma ligação de feliz ano novo. Eu queria receber de novo os ovinhos de páscoa com desenhos de dinossauros, enquanto todo mundo desembrulha seus gigantes ovos da laka. Eu queria fechar os olhos e pisar seguro, por saber que o senhor está me guiando no meu caminho. Eu só queria a certeza que o senhor me amou sempre e sempre vai me amar, independente do número de filhos que apareçam no caminho. Porque por mais que se afaste de mim eu não consigo quebrar nenhum dos laços que a gente sempre vai ter de alguma forma. Porque mesmo odiando minhas pernas finas, elas são suas. Mesmo com a falta de bunda e o jeito pirracento e orgulhoso de fazer as coisas. Porque eu aprendi que amar as pessoas é importante e que contar moedas na mesa do restaurante não é elegante. Aprendi a usar a faca, e sei que colocar o cotovelo na mesa não é elegante. Eu não falo palavrão, nem falo de boca cheia. Sei que os mais velhos devem ser chamados de ‘senhor’ e ‘senhora’ e aprendi que tenho que ter calma com minha mãe. Porque durante alguns anos da minha vida eu tive o melhor pai que eu poderia ter. Porque era o MEU pai. E me acostumar a viver sem ele mesmo que ele exista não faz sentido nenhum pra mim. Eu sei que talvez nem leia esse texto mal escrito e que talvez nem entenda o que minhas palavras mal combinadas querem dizer, mas eu sempre vou estar aqui pra alguma coisa, seja ela o que for. Porque com sua ajuda eu cresci e amadureci. E se antes era o senhor que sempre me dava tudo, hoje eu quero poder te dar alguma coisa também. Nem que seja um abraço apertado e desajeitado. Não sei o quanto vale, mas lembro que pra mim valia muito.

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